terça-feira, 26 de maio de 2009

047 - Frio

Cai a temperatura... O sono torna-se agitado, o conforto é abruptamente desrespeitado. Sem poder mais descansar, ele se levanta e busca o cobertor. Ao abrir o guarda-roupa, ele avista, ainda que na penumbra, o pequeno objeto no canto da prateleira. Mesmo cansado, e com os músculos todos tentando aquecê-lo, ele apanha o objeto e sua memória se perde no tempo e no espaço.

O lugar é outro. A ilha paradisíaca queima com o sol do meio da tarde. O casamento aconteceu há 4 dias, e pela primeira vez ele para para analisar a aliança. Ele ainda a estranha entre seus dedos, mas o sentimento que ela evoca é ainda mais estranho. Agora ela é sua. A partir de agora ele não será mais sozinho. Nunca mais.

Ele está perdido nos devaneios quando a ouve chamá-lo. Ela mais uma vez insiste para que ele a acompanhe no banho de mar, mas sua fobia o impede. Desde aquela manhã, quando o fundo do lago sumiu sob seus pés, ele nõa consegue sequer cogitar a hipótese de se aventurar em águas desconhecidas, muito menos na irregularidade do mar.

Ele aproveita para contemplar toda a sua beleza. Desde a primeira troca de olhares, seu corpo inteiro respondendo instantâneamente ao estímulo, ele soube que ela seria sua. O jeito de andar é o mesmo, a forma de ajeitar os cabelos. Ela se aproxima e ele sorri...

Ele agora olha novamente para o círculo dourado, porém sua mão trêmula o traz de volta a atualidade. Ele lança a aliança de volta ao canto do guarda-roupa e pega o cobertor. Com todo o sono que o ronda, ele sente que precisa ouvir sua voz novamente. Quase busca o celular, e já teria discado o número há tanto decorado se não tivesse, num lampejo de sanidade, se lembrado de que ela nunca atenderia.

Ele volta para a cama, estende o cobertor sobre si mesmo para, segundos depois, jogá-lo de lado. A noite não está tão fria. O frio que ele sente não será amenizado com cobertores. O que lhe falta é o calor do corpo dela, o calor do seu abraço, o calor da sua vida. Uma vida que não existe mais, um calor que há muito se extinguiu. O frio que ele sente, agora ele sabe, é o frio da solidão...




PS: Esse é um conto que eu escrevi há mais ou menos um ano e meio atrás, ou até mais tempo... Um dia, antes de dormir, numa das minhas crises de insônia, me veio a inspiração e a vontade louca de escrever, peguei um caderno velho e saiu isso... Fiquei bem orgulhoso de mim mesmo, acho que ficou até bem legal hehehe... Ironicamente, é o último post que eu escrevo da Tribo, já estou de mudança de vez. Minha solidão aqui acabou.

terça-feira, 19 de maio de 2009

046 - What's next?

Oi pessoal...

Estou tão confuso... Muita coisa acontecendo... A mais importante delas: estou a um passo de voltar pra Capital. Finalmente vou me mudar dessa Tribo horrorosa, sem vida social, sem nada de interessante pra fazer, sem perspectivas de uma melhora profissional... Estou indo pra perto dos meus amigos, do meu namorado, da minha família... Da cidade que não é onde eu nasci, mas onde me criei e a qual eu adoro... Finalmente vou me livrar do karma que essa cidade me traz...

Mas por que estou me sentindo tão estranho? Por que estou com medo?? Por que estou me sentindo culpado??? Parece que estou fazendo alguma coisa errada...

Não sei explicar... E sei que vcs não conseguem entender também... Então é só pra desabafar mesmo...


sábado, 2 de maio de 2009

045 - Era uma vez...

Era uma vez, numa pequena cidade do interior, uma menina muito bonita chamada M. Ela tinha 15 anos, estudava e nos finais de semana, saia com sua irmã e primas, sempre acompanhada pela sua mãe, para irem ao cinema. 

Numa dessas saídas, ela e sua mãe estavam atravessando a rua enquanto ela comia um saquinho de pipocas. Nisso, um carro parou e um rapaz pediu um pouquinho de pipoca. Eles comeram a pipoca que ainda tinha no saquinho e assim ela conheceu P. P tinha seus 21 anos, estava começando a faculdade de Engenharia em outra cidade próxima dali. 

Eles passaram a namorar, mas havia um pequeno problema entre eles. P era de uma família tradicional de fazendeiros. Os pais de M eram donos de uma banca de frios no mercadão municipal. Apesar disso, as diferenças paravam por ai, pois a família de ambos era bastante simples, e depois de algum tempo, aceitou o namoro dos dois.

O pai de M era alcóolatra, batia nas filhas e na esposa e levou mais tempo pra aceitar o namoro. Para ele, o 'filhinho de papai' só queria se aproveitar da sua filha, e eles tiveram muito trabalho para convence-lo do contrário. Mas ele terminou por aceitar, sempre com um pé atrás.

Quase um ano depois, o casalzinho então deixou de namorar apenas em casa, na presença dos pais, e com o conhecimento da mãe de M, conseguiam dar suas escapolidas. E foi então, que aos 16 anos, M ficou grávida. Para a família de P seria um choque, imagine, uma menina tão nova já grávida! Ela só poderia estar querendo dar o golpe da barriga, claro! E o que diria o pai de M?

P tinha contado apenas para sua irmã e o esposo dela. E os dois homens, decidiram então que o melhor seria um aborto. Pensaram em levar M para a cidade onde P fazia faculdade, e lá então fariam o serviço. Mas a irmã de P não permitiu, "onde já se viu tamanha barbaridade?", dizia ela. "A criança não tem culpa!"...

Foi então que P contou para sua família, e disse que queria se casar com M. A família apoiou, já que não se poderia fazer mais nada (uma família totalmente matriarcal, devota de Nossa Senhora Aparecida, jamais ponderaria a idéia de aborto). Agora o problema era contar para o pai de M.

P e M foram juntos dar a notícia. E a reação foi a pior possível. O pai de M gritava, berrava aos quatro ventos "PIRANHA! VAGABUNDA! SOME DAQUI! EU VOU COLOCAR VOCÊ NA ZONA, QUE É LUGAR PRA NASCER FILHO DE RAMPEIRA!"... Entre outras coisas. M ficou apavorada, mas P disse então que se casaria com ela, com ou sem a benção do sogro. O pai de M ainda ameaçou bater nela, mas a mãe de M e P não permitiram.

Por semanas, o pai de M continuou a xingá-la e maltrata-la. Descontava na esposa e na outra filha. Enquanto isso, os preparativos para o casamento foram sendo realizados na familia de P. A família de M nunca poderia arcar com uma festa de casamento, e isso nem foi cogitado. Os pais de P foram até a casa de M para conversar com os pais dela, e acertaram tudo para o casamento.

Aos 6 meses de gravidez, com 16 anos, M casou-se com P, seu príncipe encantado que dizia que depois de casados, ela jamais lavaria um só garfo. Ela seria sua rainha, e cuidariam do seu bebê juntos. M iria morar com P na cidade onde ele fazia faculdade, afinal ele estava no segundo ano ainda. Ficaram na cidade por aproximadamente 2 meses e então M voltou para a cidade onde moravam suas famílias, pois estava na hora do bebê nascer.

O grande dia chegou, e na maternidade estavam todos os familiares. A mãe de M, muito simples e cheia de crendices, dizia para a própria filha de 16 anos, já não assustada o suficiente: "mas por que cesariana? E se o bebê não estiver pronto ainda? E se faltar algum dedinho? É melhor esperar a hora". Os pais de P estavam nervosos, ansiosos e a mãe de P tentava acalmar a situação. O pai de M estava lá também, carrancudo, nervoso, sem conversa com ninguém... 

E então, às 10 da manhã, M e P passaram a ser Mãe e Pai, e eu nasci. Ao chegar no berçário, todos estavam prostrados no vidro, Pai chorava e sua mãe também. Sua sogra estava aos prantos, assim como o pai de Mãe, que, soluçando, repetia: "meu Deus, que coisa mais linda, nem parece que saiu da Mãe, que coisa mais linda meu Deus"... Depois de ter visto o neto pela primeira vez, ele então pediu perdão para a filha, por tudo o que havia dito e dizendo que amava tanto ela e seu neto.

E isso aconteceu há 28 anos atrás... Com certeza existem muitos detalhes dessa história que eu não sei, ou que já esqueci, mas é isso aí que é o que importa. Nada melhor do que o começo de tudo pra começar a revirar meu baú de memórias, e nada melhor do que fazer isso hoje...